Inteligência Competitiva (IC): um antídoto para blind spots14 min de leitura

É tolerável ser derrotado, mas nunca ser surpreendido.”

– Frederico, o Grande, rei da Prússia de 1740 a 1786

Em seu tratado sobre táticas militares A Arte da Guerra, o general e estrategista chinês Sun Tzu ensina: “Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você precisa ver o que não está visível” (SUN TZU, 2006).

Nos próximos anos, testemunharemos grandes rupturas nas relações comerciais, na força de trabalho e no mercado em geral. Essas transformações serão estimuladas pelo novo cenário demográfico e socioeconômico que vem se estabelecendo, trazendo consigo a globalização, a urbanização e avanços tecnológicos surpreendentes, desde a automação de processos simples até o machine learning.

Em tempos de incertezas sobre o futuro, agir instintivamente pode ser fatal para uma organização. Nesses momentos, não importa o segmento de mercado ou porte da empresa, é necessário desenvolver mecanismos para antecipar e prevenir prejuízos, em vez de simplesmente aplicar medidas paliativas.

A Inteligência Competitiva (IC) é uma grande aliada nessa missão, pois fornece uma abordagem proativa, oportunista e prospectiva baseada em pesquisar e analisar estrategicamente informações de mercado e da própria empresa, detectando oportunidades e ameaças.

Segundo Ken Cottrill (COTTRILL, 1998), escritor e cofundador da Chain Business Insights (Chain Business Insights, 2018), a IC facilita a identificação de blind spots, ou pontos cegos, nos desejos e demandas dos consumidores, nas iniciativas dos concorrentes e no futuro do mercado, reforçando as competências organizacionais e permitindo definir melhores estratégias. Não se trata, portanto, apenas de uma ferramenta defensiva para prever perigos na área de atuação da empresa, mas sim de um método extremamente eficaz para reconhecer oportunidades, introduzir novas ideias de negócios e regenerar a companhia como um todo.

Figura 1.0 Inteligência Competitiva (IC).

Embora parecidos, os conceitos de Competitor Intelligence e Inteligência Competitiva não são iguais. Enquanto a Competitor Intelligence dedica-se exclusivamente ao estudo dos concorrentes, a Inteligência Competitiva aborda também vários outros aspectos, como produtos, colaboradores e marketing. A IC, dessa forma, envolve todo o ambiente competitivo e não somente os concorrentes, servindo como um programa abrangente para que a empresa obtenha informação estratégica, imparcial, mensurável, acionável e, acima de tudo, reproduzível (SCIP, 2014).

Tendo como principal objetivo a coleta de dados e a fomentação do conhecimento dentro da organização, a IC pode ser especialmente útil durante crises e retrações. Ao empregar técnicas de análise crítica para reunir informações importantes sobre o mercado, por exemplo, a IC possibilita a previsão de adversidades e desafios para a empresa, sejam eles de natureza estrutural, financeira ou organizacional.

Nessas condições, a Inteligência Competitiva emite sinais e alertas que permitem que os gestores se preparem para eventos futuros, favorecendo o planejamento e o desenvolvimento dos negócios.

Para elevar a empresa a um novo patamar, no entanto, não basta criar um setor de Inteligência Competitiva. Por se tratar de um instrumento de geração de valor, a IC deve ser integrada à estratégia organizacional para de fato funcionar, além de receber a devida atenção e investimentos dos gestores (FAHEY, 2007).

Uma pesquisa realizada em 2006 pela Competitive Intelligence Foundation (FEHRINGER et al., 2006) corroborou essa ideia, revelando que a IC é capaz de produzir resultados em diversos níveis organizacionais: criação de receitas; novos produtos ou serviços; diminuição de custos; redução de tempo; elevação dos lucros; e alcance de objetivos estratégicos.

A Inteligência Competitiva foi inicialmente adotada por grandes corporações anglo-saxônicas, britânicas e, sobretudo, norte-americanas, que formaram departamentos de inteligência de marketing dedicados à análise da concorrência e, frequentemente, à espionagem industrial. A prática da IC desenvolveu-se gradualmente no setor empresarial e, embora ainda voltada para a monitorização da concorrência, servia também como base para os processos decisórios e de planejamento estratégico (COLAUTO et al., 2004).

Para o futuro próximo, a tendência é a intensificação do foco nos ambientes interno e externo das empresas, tornando-as mais autoconscientes e menos vulneráveis a problemas estruturais, imprevistos do mercado e surpresas estratégicas (CALOF, 2008).

Figura 1.1 Inteligência competitiva como ferramenta estratégica.

IC: vantagens competitivas e planejamento estratégico

Embora represente uma tarefa complexa, a construção de uma empresa competitivamente inteligente permite avaliar a sustentabilidade do modelo de negócios, viabilizando também um aprendizado mais ágil e a implantação de inovações com mais eficácia. Assim, organizações que desenvolvem sua inteligência competitiva geralmente são consideradas visionárias pelo mercado, enquanto seus clientes se sentem mais compreendidos e satisfeitos.

A IC traz ainda uma série de outros benefícios, dentre os quais destacam-se:

  • Antecipação de oportunidades e tendências de mercado, assim como de eventuais ameaças:

Enquanto empresas reativas preocupam-se exclusivamente em defender seus mercados atuais, as organizações dotadas de IC dedicam tempo e esforços sistemáticos à criação de estratégias proativas. Segundo Robert Kaplan, professor da escola de negócios de Harvard, empresas guiadas apenas por seus resultados financeiros costumam deter pouca visão de longo prazo e, por isso, acabam cortando investimentos fundamentais em inovação e desenvolvimento sustentável: “Quando você olha mais para a parte financeira e se descuida dos clientes, dos produtos ou dos processos de inovação, a companhia perde força como um todo. Uma corrente é tão forte quanto o seu elo mais fraco”.

A ausência de Inteligência Competitiva imobiliza inúmeras empresas diante das mutações do mercado.

A maioria dos “acidentes fatais” do mundo corporativo poderia ser evitada se os gestores fossem capazes de enxergar e reagir aos primeiros sinais de mudanças no ambiente competitivo.

Essas alterações podem ser inovações tecnológicas, novas demandas e preferências dos consumidores, modificações no marco regulador do setor ou criação de modelos de negócios alternativos.

A Kodak é um dos mais famosos exemplos dessa incapacidade de antecipação ou “miopia corporativa”, expressão que dá nome ao livro de Richard Tedlow, professor da Harvard Business School (TEDLOW, 2012). Ao relutar em enxergar e adaptar-se à era digital, a organização, antes líder do mercado de fotografias, entrou em uma crise sem precedentes. A “negação de fatos evidentes”, de acordo com Tedlow, é responsável por vários fracassos no campo organizacional: “Vemos as coisas, mas agimos como cegos”, conclui.

Figura 1.2 Kodak: miopia corporativa.

Outro caso de negação de evidências citado por Tedlow é o da Ford. Entre 1908 e 1923, mais de 8 milhões de automóveis do icônico Ford Modelo T foram vendidos, e a montadora chegou a atingir a impressionante marca de 60% de market share. Seu fundador Henry Ford, porém, não conseguiu perceber os fortes indícios de transformações no mercado: diante do crescimento econômico dos EUA e o aumento do poder aquisitivo da população, surgia uma demanda por novos tipos de carro, mais flexíveis e sofisticados. Ao notar essa mudança, a General Motors saiu na frente no processo de segmentação do mercado com o slogan “carros para diferentes tamanhos de bolso e situações de uso”. Essa proatividade de oferta garantiu à GM a liderança no setor, deixando a Ford para trás por vários anos.

  • Estratégia Blue Ocean:

O conceito de blue ocean ou oceano azul foi inventado por Renée Mauborgne e W. Chan Kim, ambos acadêmicos do INSEAD (Instituto Europeu de Administração de Empresas). Citada pela primeira vez no livro “A Estratégia do Oceano Azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante” (MAUBORGNE e KIM, 2005), a ideia consiste em explorar novos segmentos de valor em determinado negócio e assim incrementar o seu valor e, consequentemente, o retorno financeiro para a organização.

A obra “A Estratégia do Oceano Azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante” é o resultado de 10 anos de pesquisas dos autores em 150 companhias de 30 diferentes setores. O livro já atingiu a marca 3,5 milhões de cópias e foi publicado em 43 idiomas.

Nessa metáfora marítima, o oceano azul corresponde a um paraíso onde é possível nadar – e lucrar – livremente, com facilidade e tranquilidade. Enquanto isso, os mercados já saturados representam o oceano vermelho de sangue perdido pelos concorrentes nas disputas por consumidores.

Figura 1.3 Estratégia Blue Ocean: desbravamento de novos mercados.

A principal finalidade desta estratégia é a análise constante do mercado e das necessidades dos clientes, sempre buscando um novo conceito de produto ou serviço, diferente de tudo o que já foi oferecido pela concorrência. Este serviço ou produto deve ser elaborado a partir do talento da empresa e precisa ser inovador, podendo ser uma nova forma de suprir as demandas ou um novo conceito exclusivo, que possibilite à empresa criar o seu próprio oceano azul.

A Estratégia Blue Ocean, portanto, fundamenta-se na geração de valor e em como fazer com que o comprador deseje pagar por esse novo valor criado. Nesse ponto, a inovação desempenha um papel essencial, alinhando-se à tríade utilidade-preço-custo. A sinergia existente entre esses quatro fatores estabelece um processo contínuo de inovação de valor.

Nossas pesquisas confirmam que não existem empresas excelentes para sempre, da mesma maneira que não há setores excelentes o tempo todo. Conforme constatamos em nossa própria trajetória acidentada, todos nós, assim como as empresas, fazemos coisas inteligentes e coisas não tão inteligentes. Para melhorar a consistência de nosso sucesso, precisamos estudar nossas ações de maneira sistemática. Isso é o que chamamos de fazer movimentos estratégicos inteligentes, e descobrimos que o movimento estratégico mais importante é criar oceanos azuis”. (MAUBORGNE e KIM, 2005).

A inovação de valor se dá nas áreas de atuação de uma empresa capazes de impactar favoravelmente sua estrutura de custos e sua proposta de valor para os consumidores. A redução de custos é possível através da diminuição dos fatores em que uma indústria concorre, enquanto o valor para o cliente aumenta por meio da criação de elementos jamais disponibilizados pela indústria. Dessa forma, os custos são minimizados à medida que são formadas economias de escala, resultantes dos altos volumes de vendas proporcionados por esse valor superior.

A inovação, que permeia toda a organização, que se mantém de aprendizado, que se desenvolve por meio de ferramentas e metodologias específicas, que utiliza racionalmente tecnologias, se valida de indicadores próprios, persegue novos valores e é potencializada por novos processos gerenciais deve ser vista como a principal alavanca do crescimento sustentável de uma organização” (CAMELO; QUONIAM; TRIGO, 2008).

  • Apoio na tomada de decisão, reduzindo o tempo de reação ao mercado:

Quantas empresas já quebraram ou perderam fatias significativas de seu mercado por causa de decisões equivocadas? A falta de informação e a incapacidade de compreender a informação disponível são algumas das principais causas de uma decisão ruim.

Em geral, os sistemas de apoio à decisão atuam fornecendo ao tomador de decisões uma série de dados internos sintetizados. Apresentam pouca ou nenhuma informação sobre o ambiente externo e frequentemente ignoram variáveis qualitativas, fatos e eventos.

Para definir os rumos da empresa adequadamente, o profissional responsável precisa de informações relevantes, claras e precisas. É importante também que elas sejam concisas, uma vez que o tempo nunca foi tão valorizado no contexto organizacional. Assim, o especialista em Inteligência Competitiva deve produzir informativos que façam a diferença e consigam eliminar blind spots no processo decisório.

Um sistema de inteligência adequado é capaz de modificar até a cultura de uma organização, como ocorreu com a IBM no começo da década de 1990. Nessa época, a Big Blue vinha perdendo mercado para as concorrentes e sequer percebia isso. Com a implantação de um sistema de inteligência na IBM, seus gestores foram municiados com dados indispensáveis para a tomada de decisões, que transformaram a cultura da companhia e solucionaram os problemas relativos ao avanço das empresas rivais (IBM, 2019).

Figura 1.4 IBM: Inteligência Competitiva na produção de informações relevantes.
  • Gestão e redução de riscos:

A gestão de riscos é um processo aplicado em toda organização para detectar eventos em potencial, ou seja, todas as situações que podem afetar de alguma forma a companhia. Inicialmente, o profissional de IC deve realizar um diagnóstico completo do funcionamento da empresa, seguido pela definição de uma matriz de riscos e, então, uma análise das chances de ocorrência, dos possíveis efeitos na companhia e das medidas adequadas para mitigá-los.

Gestão de risco ou risk management corresponde a uma série de práticas adotadas por empresas para antecipar perigos e problemas futuros. Os riscos podem ser de diferentes tipos: políticos, econômicos, de segurança digital, regulatórios e ambientais, por exemplo.

Identificar desafios e mapear possíveis riscos aos negócios deveriam ser atividades rotineiras no mundo corporativo, porém uma pesquisa recente da Marsh Risk Consulting (MARSH, 2018) revelou que 36,2% de empresas brasileiras pouco praticam políticas do tipo ou estão em estágio inicial nesse campo. Esse porcentual é ligeiramente superior ao de empresas que declararam possuir uma gestão de riscos consolidada (36,1%).

De acordo com Marcelo Elias, diretor da área da Marsh, é fundamental incluir uma boa política de gestão de riscos na cultura organizacional, abrangendo áreas como compliance, controles internos e auditoria. Além disso, os gestores precisam tomar consciência de que a implementação de processos de gestão de risco é um diferencial competitivo, tendo em vista a prevenção de custos inesperados para a corporação.

No ambiente atual, a resiliência de uma empresa é proporcional a sua capacidade de inovação e ao seu nível de Inteligência Competitiva (IC). A FELLIPELLI está inserida nessa realidade e oferece assessments exclusivos e dedicados a aspectos fundamentais como desenvolvimento profissional, desenvolvimento de equipes e liderança. Confira!

Para saber mais:

  • Inteligência Competitiva. Como se Manter à Frente dos Movimentos da Concorrência e do Mercado. Leonard M. Fuld. Elsevier, 2007.
  • Inteligência Competitiva – Como Fazer IC Acontecer na sua Empresa. Alfredo Passos. Editora LCTE, 2008.
  • Gestão Estratégica da Informação e Inteligência Competitiva. Claudio Starec (Org.). Saraiva, 2005.
Referências bibliográficas
  • A arte da guerraSun Tzu; tradução de Sueli. Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2006.
  • COTTRILL, Ken, 1998. “TURNING COMPETITIVE INTELLIGENCE INTO BUSINESS KNOWLEDGE”, Journal of Business Strategy, Vol. 19 Issue: 4, pp.27-30, Acesso em: 15/01/2019.
  • Chain Business Insights, 2018. Acesso em: 15/01/2019.
  • SCIP – Strategic and Competitive Intelligence Professionals, 2014. Acesso em: 15/01/2019.
  • FAHEY, Liam. Connecting strategy and competitive intelligence: refocusing intelligence to produce critical strategy inputs. Strategy & Leadership. v. 35, p. 4 – 12, 2007.
  • FEHRINGER, D.; HOHHOF, B.; JOHNSON, T. State of the art: competitive intelligence. A Competitive Intelligence Foundation, Society of Competitive Intelligence Professionals, Alexandria, VA, Competitive Intelligence Foundation Research Report, 2006.
  • COLAUTO, D.; GONÇALVES, C. M.; BEUREN, I. M.; SANTOS, N. dos. The critical success factors as support of a system of competitive intelligence: the case of one Brazilian company. RAM – Revista de Administração Mackenzie, v. 5, n. 2, p. 120-146, 2004.
  • CALOF, J. L. Selling competitive intelligence. Competitive Intelligence Magazine, Bradford, v. 11, n. 1, p. 39-42, 2008.
  • TEDLOW, Richard S. Miopia Corporativa: Como a Negação de Fatos Evidentes Impede a Tomada das Melhores Decisões e o Que Fazer a Respeito. Editora HSM, 2012.
  • MAUBORGNE, R.; KIM, W. C., 2005. A Estratégia do Oceano Azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. Editora Campus.
  • CAMELO, C.; QUONIAM, L.; TRIGO, M.. La Educación Corporativa como instrumento de competitividad empresarial. In: Cristina Valiukenas. (Org.). EDUCACIÓN HACE LA DIFERENCIA. 2ed.: Accor América Latina, 2008, v., p. 87-90.
  • IBM, 2019. Chronological History of IBM. Acesso em: 15/01/2019.
  • MARSH, 2018. Acesso em: 15/01/2019.

Tema principal: IPT® LIDERANÇA – Desenvolvimento de Competências de Liderança, TEAM MANAGEMENT PROFILE® – Desenvolvimento de Equipes e BIRKMAN® – Avaliação Comportamental.

Subtemas: Inteligência Competitiva (IC) – definição, planejamento estratégico e benefícios.

Objetivo: Desenvolvimento de Liderança, Coaching nas Empresas, Team Building, Desenvolvimento de Competências, Desenvolvimento Organizacional, Avaliação Comportamental.

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